In: A Dolorosa Raiz do Micondó, Geração Editorial
O VENDEDOR
Os olhos vagalumem como pirilampos
no encalço dos fregueses
Do fio que é a mão esvoaçam
sacos de plástico
precários, multicores balões
A Feira do Ponto é o seu pátio.
Ao fim do dia, parcimonioso,
devolve a bolsa das moedas a um adulto
e recupera a idade.
A MÃO
Toma o ventre da terra
e planta no pedaço que te cabe
esta raiz enxertada de epitáfios.
Não seja tua lágrima a maldição
que sequestra o ímpeto do grão
levanta do pó a nudez dos ossos,
a estilhaçada mão
e semeia
girassóis ou sinos, não importa
se agora uma gota anuncia
o latente odor dos tomateiros
a viva hora dos teus dedos.
SÓYA
Há-de nascer de novo o micondó —
belo, imperfeito, no centro do quintal.
À meia-noite, quando as bruxas
povoarem okás milenários
e o kukuku piar pela última vez
na junção dos caminhos.
Sobre as cinzas, contra o vento
bailarão ao amanhecer
ervas e fetos e uma flor de sangue.
Rebentos de milho hão-de nutrir
as gengivas dos velhos
e não mais sonharão as crianças
com gatos pretos e águas turvas
porque a força do marapião
terá voltado para confrontar o mal.
Lianas abraçarão na curva do rio
a insónia dos mortos
quando a primeira mulher
lavar as tranças no leito ressuscitado.
Reabitaremos a casa, nossa intacta morada.
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