terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Dois Poemas de Henri Michaux

Nós outros

Na nossa vida, nunca nada esteve certo.
Certo como destinado a nós próprios.
Nada na nossa vida se consumou profundamente.
O triunfo, a perfeição,
Não, não, isso não nos é concedido.

Mas agarrar nas mãos o vazio,
Caçar a lebre, deparar com o urso,
Corajosamente atacar o urso, tocar no rinoceronte.
Ficar despido de tudo, suando o seu próprio coração.
Atirados no deserto, obrigados a refazer o rebanho,
Um osso aqui, um dente acolá, um corno além.
Isso sim é nosso.

Dizer que nascem neste momento as sete vacas gordas.
Nascem, mas não somos nós quem as há de ordenhar.
Acabaram de nascer os quatro cavalos alados.
Nasceram. Só pensam em voar.
É difícil refreá-los. Irão quase até aos astros, esses cavalos alados.
Mas não somos nós quem os cavalgarão.
Caminhos de toupeira, isso é nosso, caminhos de ralo.
Chegamos às portas da Cidade.
Da Cidade-que-interessa.
Não há dúvidas, cá estamos. É ela. É mesmo ela.
Quanto penamos para chegar… para partir.
Arrancar-se lentamente, clandestinamente, arrancar os
braços que ficaram lá atrás…

Mas não seremos nós quem há de entrar.
Serão jovens com muita pinta, jovens muito jovens,
muito violentos, muito orgulhosos, sim,
esses é que hão de entrar.
Mas nós, não, nós não entraremos.
Não passaremos daqui. Stop! Nem mais um passo.
Entrar, cantar, triunfar, não, não, isso não é nosso.

***

Onde pôr a cabeça?


Um céu
um céu porque não há mais a terra,
sem sequer uma asa, sem penugem, sem pluma de pássaro,
sem orvalhos


estritamente, unicamente céu
um céu porque não há mais a terra


Após a explosão na cabeça,
o horror, o 

desespero
após nada mais ter havido, tudo devastado, afundado

toda passagem perdida

um céu glacialmente céu


Já obstruído, barrado, lotado de
detritos;
Um céu por causa da enxaqueca da terra

desprovida de céu

um céu porque não há mais
onde pôr a
cabeça


Atravessado, encolhido, retraído, reduzido, desmanchado aos poucos,
irrespirável nas explosões e nas fumaças
bom pra nada


um céu inencontrável.


Nenhum comentário :

Postar um comentário