In: Atrás das Borboletas Azuis, Editora Oficina do Livro
É verde e veio
de cana caiana
sangrando
o suco operário
de muitos suores
e caldos
melados
fermento
cachaça
melaço
e canaviais
roçados
de calos
nos pés e nas mãos
e bóia fria
marmita
- aceiros intermináveis
e joios e pedras
e foices
e folhas secas
estalando miséria
BORDADO
A noção do traço
sugerindo a presença da linha
e o manejo da agulha
sendo cadência
Após cadência
no macio do pano branco
pra depois haver o risco duro de premeditadas paisagens
onde matizes de fumaças
dizem de sustos
sortes
da palavra acorrentando-se
do desenho escapolindo entre dedos dormentes
da pá
do pó
do pé violentando caminhos
da propalada paz de papel
dessa vontade de viver
entre-mentes,
humana-mente.
CILADA
Embaixo da escada, passei várias vezes,
por malquerer e sorte
- desavisada.
E depois, sem mais que nada,
por dor, paizão e morte,
escrevi destino e sina - reveses.
Recebi do azar dotes e porte,
em primeira mão,
de sim em sim e não em não.
E fui seguindo, sem noite nem seita,
varando a madrugada,
embora sabendo de uivos e lobos, à espreita.
*Confidência
A Drummond
Sou de Campos.
Por isso sou áspera
como a textura
da folha da cana.
Nasci em Campos.
Por isso sou plana
tal a plenitude
da planície.
Sou planície.
Por isso sou fluida
como o melado
escorrido entre ferros
e mãos encardidas de sol
e escravidão.
Sou moenda.
Por isso sou seca
como o bagaço
largado pelos currais.
Sou de Campos dos Goytacazes.
Por isso quero beira de rio - Paraíba,
e vento nordeste
assanhando a cabeleira
dos canaviais.
FOGO-FÁTUO
A vida que se pariu
força da natureza
se dando
naturalmente
não constrói
uma apologia
ao mito morto
após as guerras.
É antes epígrafe,
dedicatória e lápide
(ao herói anônimo)
inscrita
no mapa-documento
(adubo)
da terra
por onde prensou
seus ossos.
*"Confidência"
não compõe o livro.
Fonte: internet.
Nenhum comentário :
Postar um comentário