In: Poemas 1913-1956, Editora 34
MAU TEMPO PARA A POESIA
Sim, eu sei: só o homem feliz
É querido. Sua voz
É ouvida com prazer. Seu rosto é belo.
A árvore aleijada no quintal
Indica solo podre, mas
Os passantes a maltratam por ser um aleijão
E estão certos.
Os barcos verdes e as velas alegres da baía
Eu não enxergo. De tudo
Vejo apenas a rede partida dos pescadores.
Porque falo apenas
Da camponesa de quarenta anos que anda curvada?
Os seios das meninas
São quentes como sempre.
Em minha canção uma rima
Me pareceria quase uma insolência.
Em mim lutam
O entusiasmo pela macieira que floresce
E o horror pelos discursos do pintor.
Mas apenas o segundo
Me conduz à escrivaninha.
***
SOBRE VIOLÊNCIA
A corrente impetuosa é chamada de violenta
Mas o leito de rio que a contém
Ninguém chama de violento.
A tempestade que faz brotar as bétulas
É tida como violenta
E a tempestade que faz dobrar
Os dorsos dos operários na rua?
***
PERGUNTAS
DE UM TRABALHADOR QUE LÊ
Quem construiu a Tebas de sete portas?
Nos livros estão nomes de reis.
Arrastaram eles os blocos de pedra?
E a Babilônia várias vezes destruída —
Quem a reconstruiu tantas vezes? Em que casas
Da Lima dourada moravam os construtores?
Para
onde foram os pedreiros, na noite em que a Muralha da China ficou pronta?
A
grande Roma está cheia de arcos do triunfo.
Quem
os ergueu? Sobre quem
Triunfaram
os Césares? A decantada Bizâncio
Tinha
somente palácios para seus habitantes? Mesmo na lendária Atlântida
Os que se afogavam gritaram por seus escravos
Na noite em que o mar a tragou.
Na noite em que o mar a tragou.
O jovem
Alexandre conquistou a Índia.
Sozinho?
César bateu os gauleses.
Não levava sequer um cozinheiro?
Filipe da Espanha chorou, quando sua Armada
Naufragou. Ninguém mais chorou?
Frederico II venceu a Guerra dos Sete Anos.
Quem venceu além dele?
Cada página uma vitória.
Quem cozinhava o banquete?
A cada dez anos um grande homem.
Quem pagava a conta?
Tantas histórias.
Tantas questões.
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