Extraído do Livro Jardim Minado, Editora Patuá.
POÉTICA
A poesia é mesmo caso sério:
vez por outra vai parar no cemitério.
E sempre volta, como um
zumbi literário.
A poesia brasileira anda broxa,
não mata a cobra,
esconde o pau
e espera ansiosamente pelo
próximo edital.
A poesia brasileira contemporânea
é esquizofônica;
uma hora fala duro,
na outra difícil (e demonstra
pouca propensão a atirar-se
de edifícios).
A poesia brasileira corrente é polida,
faz foto pro cartaz, gosta
de ser notícia no jornal, do caderno
de resenhas, é bonita
limpinha, correta e erra pouco.
Fuma mas não traga,
estupra mas não mata
e tá sempre em cima do muro.
O poeta? Que se foda! Ele que morra duro.
***
MERCADÃO
João elogiava Marcela que elogiava Renato
que elogiava Bruno que elogiava Juliana
que elogiava Ronaldo
que não elogiava ninguém.
João montou uma revista, Marcela um
programa de TV a Cabo,
Renato comeu Bruno, Bruno comeu um monte
de gente,
Juliana é resenhista num grande jornal,
e Ronaldo caiu no completo ostracismo
e se auto-intitula "o poeta maldito da
sua geração"
***
O CORO DOS CONTENTES
não podemos reclamar
está tudo uma maravilha:
cada um em sua ilha, incomunicáveis
em celulares plugados,
caminhando desligados,
perdidos sem rumo e direção
essa prodigiosa geração
não podemos reclamar
economia nau vagando verdes mares,
pleno emprego a garantir
uma sobrevivência miserável
sem tempo para o qu se desvela
aguardando um amanhã incerto
na angústia estalam tempestades
não podemos reclamar
produzir, produzir produzir
máquina moendo a todos
apertados em latas de sardinha
parando no tráfego desinformações
nada anda
mas rendemos um bom troco
a troco de que?
não podemos reclamar
parar, respirar
resistência que nos cabe
flor que súbito abre
não mais refletir o espelho
que reflete e reflete e reflete
num jogo labirinto
sem chegar a lugar algum
não podemos reclamar
temos sangue, suor,
quem sabe até coração
belas estórias de amor
projetada em telas
tridimensionais
sem sequer atingir
não podemos reclamar
a ciência garante longa vida;
caixinhas de leite com soda cáustica,
cada um com a sua: deixam até colorir!
só não pode beber, fumar, comer,
embriagar-se de prazer
vivamos, pois, a contar
as faixas da colobar
e não podemos reclamar
Nenhum comentário :
Postar um comentário