segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Três Poemas de Pedro Tostes

Extraído do Livro Jardim Minado, Editora Patuá.


POÉTICA

A poesia é mesmo caso sério:
vez por outra vai parar no cemitério.
E sempre volta, como um
zumbi literário.

A poesia brasileira anda broxa,
não mata a cobra,
esconde o pau
e espera ansiosamente pelo 
próximo edital.

A poesia brasileira contemporânea
é esquizofônica;
uma hora fala duro,
na outra difícil (e demonstra
pouca propensão a atirar-se 
de edifícios).

A poesia brasileira corrente é polida,
faz foto pro cartaz, gosta
de ser notícia no jornal, do caderno
de resenhas, é bonita
limpinha, correta e erra pouco.
Fuma mas não traga,
estupra mas não mata
e tá sempre em cima do muro.

O poeta? Que se foda! Ele que morra duro.

***

MERCADÃO

João elogiava Marcela que elogiava Renato
que elogiava Bruno que elogiava Juliana
que elogiava Ronaldo
que não elogiava ninguém.
João montou uma revista, Marcela um 
programa de TV a Cabo,
Renato comeu Bruno, Bruno comeu um monte
de gente,
Juliana é resenhista num grande jornal,
e Ronaldo caiu no completo ostracismo
e se auto-intitula "o poeta maldito da
sua geração"

***

O CORO DOS CONTENTES

não podemos reclamar

está tudo uma maravilha:
cada um em sua ilha, incomunicáveis
em celulares plugados,
caminhando desligados,
perdidos sem rumo e direção
essa prodigiosa geração

não podemos reclamar

economia nau vagando verdes mares,
pleno emprego a garantir 
uma sobrevivência miserável
sem tempo para o qu se desvela
aguardando um amanhã incerto
na angústia estalam tempestades

não podemos reclamar

produzir, produzir produzir
máquina moendo a todos
apertados em latas de sardinha
parando no tráfego desinformações
nada anda
mas rendemos um bom troco
a troco de que?

não podemos reclamar

parar, respirar
resistência que nos cabe
flor que súbito abre
não mais refletir o espelho
que reflete e reflete e reflete
num jogo labirinto
sem chegar a lugar algum

não podemos reclamar

temos sangue, suor,
quem sabe até coração
belas estórias de amor
projetada em telas
tridimensionais
sem sequer atingir

não podemos reclamar

a ciência garante longa vida;
caixinhas de leite com soda cáustica,
cada um com a sua: deixam até colorir!
só não pode beber, fumar, comer,
embriagar-se de prazer 
vivamos, pois, a contar
as faixas da colobar

e não podemos reclamar

Nenhum comentário :

Postar um comentário