quinta-feira, 31 de março de 2016

Uma Faca Só Lâmina

Poema de João Cabral de Melo Neto



Assim como a bala 
enterrada no corpo,
fazendo mais espesso
um dos lados do morto;

Assim como uma bala
do chumbo mais pesado,
no músculo do homem
pesando-o mais de um lado;

Qual bala que tivesse
um vivo mecanismo,
bala que possuísse 
um coração ativo

igual ao de um relógio
submerso em algum corpo,
ao de um relógio vivo
e também revoltoso,

relógio que tivesse
o gume de uma faca
e toda a impiedade
de lâmina azulada;

Assim como uma faca
que sem bolso ou bainha
se transformasse em parte
de vossa anatomia;

Qual uma faca íntima
ou faca de uso interno,
habitando num corpo
como o próprio esqueleto

de um homem que o tivesse,
e sempre, doloroso
de homem que se ferisse
contra seus próprios ossos.

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