sexta-feira, 8 de julho de 2016

Ferreira Gullar

Trecho do "Poema Sujo"



[...] Do corpo. Mas que é o corpo?
Meu corpo feito de carne e de osso.
Esse osso que não vejo, maxilares, costelas,
flexível armação que me sustenta no espaço
que não me deixa desabar como um saco
vazio
que guarda as vísceras todas
funcionando
Como retortas e tubos
fazendo o sangue que faz a carne e o pensamento
e as palavras
as mentiras
e os carinhos mais doces mais sacanas
mais sentidos
para explodir como uma galáxia
de leite
no centro de tuas coxas no fundo
de tua noite ávida
cheiros de umbigo e de vagina
graves cheiros indecifráveis
como símbolos
do corpo
do teu corpo do meu corpo
corpo
que pode um sabre rasgar
um caco de vidro
uma navalha
meu corpo cheio de sangue
que o irriga como a um continente
ou um jardim 

circulando por meus braços
por meus dedos
enquanto discuto caminho
lembro e relembro
meu sangue feito de gases que aspiro
dos céus da cidade estrangeira
com a ajuda dos plátanos
e que pode - por um descuido - esvair-se por meu
pulso
aberto


[...]

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