quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

francisco

Poema de Camillo José 


francisco
meu filho, há uma
peça a menos em
nosso inventário, mor-
demos o anzol antes
do toque de re-tolher
e puxaram a contragosto
o fio que costurava-nos
o peito: onde havia vão,
puseram uma ostra
sem astro - tens aí nosso
timbre de nascença,
nossa sutura em comum.
queríamos uma música
composta por acordes vita-
lícios e usávamos chinelos
feitos sob medida para o nosso
silêncio. era outra a est-
ação, eram outras as placas
que nos diziam coisa alguma;
no mais, não fomos apre-
sentados ao pequeno deus
da indiferença e ninguém
compareceu à nossa
romaria. no banco oposto,
um casal de notívagos di-
vide um charro, como far-
íamos se houvesse alguma
esperança a agasalhar.
o futuro, meu filho,
afinal, era mesmo isto –
este ainda em moto-
perpétuo, este espelho
antigo incrustado
na carne dos dias; mas
não te demores: estende
tuas mãos ao acaso, desce
de novo esta rua de nome
estrangeiro e – desta vez,
sem regresso ou remorso
– toma o primeiro trem
para nenhures
ou mais além.

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