sábado, 14 de outubro de 2017

A Metamorfose de Miquésia

Conto de R.Mineiro



O R.U. fechado, sem café-da-manhã e sem almoço. Nas portas cerradas o motivo: a reitoria não repassou à empresa terceirizada, Casa de Farinha, os pagamentos em atraso. Sem dinheiro, sem farinha.
- Ao menos não haverá filas...
- Nem filhas.
- A gente não quer só comida...
- A gente não quer ser comida.
Conheci Miquésia em 2013, little black block, nem preciso dizer que foi em junho, aquele mês que se estendeu até o fim do ano.
Cabelos crespos compridos. Sorriso sempre lindo.
Depois das lutas, desabrochou. Antigas pétalas caíram, raspou a lateral direita da cabeça e a esquerda continuou crescida. Veio a Copa, os 7 x 1, os #23, o Estelita.
A transformação não parou. Pelos cada dia mais longos, cabelos cada vez mais curtos. Pequeno corpo de menino. Lindo.
- É difícil ser mulher nesse mundo.
- É preciso tornar livre esse mundo.
Assistia Miquésia, desfilando sua altivez, todos os dias no CAC, em meio as ervas que levam às pedras daquele prédio. Com o olhar de um primo mais velho, acompanhava seus pequenos passos apressados. 22 anos, ácida.
- I know, I know, I know...
Suas asas começaram a crescer, já não cabiam na velha crisálida.
Como impedir o voo de uma negra borboleta?
A metamorfose terminou, os novos membros precisavam ser experimentados.
- Pés, para quê os quero se tenho asas para voar?!
- A noite será sua, filha da lua! Só tomam luzes por flores desavisadas mariposas.
A fome insaciável pelo primeiro voo e os inseparáveis óculos escuros confundiram Miquésia. No meio do dia não é o tempo para as bruxas voarem. Mesmo assim, nossa querida, subiu 13 andares para se alçar nos ares.
- Ninguém entenderá, mas faço porque (im)preciso.
Custaremos o resto de nossos dias procurando entender esta estranha mania que nos torna humanos. Desde sempre sonhamos voar.
12:30. Sol masculino à pino. Miquésia salta solitária. A casca de sua crisálida despedaça-se no chão. Nossa mariposa noturna, encandeada, voa bruxuleando rumo ao lado escuro da lua.

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