sexta-feira, 24 de agosto de 2018

"ainda tens uma saída, entrar no acaso e amar o transitório"

Poema de André Monteiro


tem dias que a gente nem sabe 
abre os olhos, olha a hora e fica ali 
de olhos abertos, olhando pro teto
a gente até muda de lugar, mas o pensamento fica lá tão forte tão forte
que nem o sol dá coragem de sair
é difícil aceitar que já chove
é fácil escolher continuar deitado porque foi dificílimo escolher ficar de pé.
ficar esperar esperar ficar esperar esperar ficar esperar
e bate um negócio dentro
uma vontade de fazer xixi
e a gente levanta e vai até o banheiro já pensando na hora da volta
e a hora volta em pequenos estudos sobre um possível acidente: nem tão mortal que não se possa viver para contá-lo
nem tão escapável que não se possa morrer dentro dele
e a gente tá vivo
e a gente quer continuar vivo
e a gente continua a dizer: ninguém sabe o dia de amanhã
e fica assim porque hoje não será como ontem
e fica assado porque ontem ja passou
- e fica assim, à espera -
e talvez amanhã nem chegue
e talvez a gente nem chegue amanhã mas a gente chegou hoje
e hoje a gente chegou aqui e talvez a gente não saiba como chegar aqui de novo
e tudo bem que seja assim
tudo bem que não se conheçam as voltas do caminho nem o caminho nem como caminhar
quando a gente se encontrar perdida diante da esfinge do tempo,
que olhe para o sol como quem olha para dentro,
que receba o pensamento como quem recebe sementes e entende que, até lá, it's a long long long long long long long way...

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