sábado, 11 de abril de 2020

entrevista

Fred Caju, in: O revide das pequenas maldades. 


- olá, poeta. poeta?
- ah, sim. opa.
- já tás melhor da gripe?
- gripe?
- você não estava gripado no dia da sessão de fotos dos vencedores?
- ah, sim. fiquei acamado a semana inteira. lamento de coração ter perdido a chance de tirar fotos com a galinha pintadinha e o vereador.
- é uma pena. viu as fotos?
- lindas.
- que bom. podemos começar? posso ligar o gravador?
- tranquilo.
- surpreso com o prêmio?
- não.
- não?
- me inscrevi pra ganhar, né?
- e qual a sensação?
- maravilhosa: de três mil reais a mais na minha conta.
- mas e a poesia?
- poesia?
- é. que você ganhou o concurso.
- que tem?
- qual a inspiração?
- a possibilidade de ter três mil reais a mais na minha conta.
- dinheiro te inspira? mas onde fica o sentimento?
- curioso, sabe que eu sempre me pergunto a mesma coisa quando começam a chegar as contas pra eu pagar no final do mês?
- é... quer dar uma pausa, tomar uma água de repente?
- não, não. tô suave.
- oquéi. e como você vê a importância dessa premiação pra nossa cena literária?
- olha, de dar três mil re...
- além dos três mil reais a mais na sua conta, pelamordedeus, tem mais alguma coisa que você acha desse bendito concurso?
- nossa, é difícil. mas acho que é só isso mesmo.
- algo que você queira falar pra encerrar a entrevista?
- tá de boa.
***
- que porra de entrevista é essa?
- chefe, com o perdão da réplica, mas eu quem pergunto. que porra de poeta é esse que a senhora pediu pra ser entrevistado?
- é; horrível.
- e aí?
- apaga esse áudio. vou colocar no editorial que ele ainda tava doente até o fechamento da edição.
- e se ele desmentir?
- vê mesmo se esse cara vai ler essa merda de revista.
- sem chance.
- vou transformar a gripe dele numa caganeira. apaga a fita. escreve que ele tá surpreso, feliz e que a poesia é o que transcende a sua alma.


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